Fé no Brasil
Diante da crise global, pastores lembram encontro no Palácio do Planalto em que o crescimento do país teria sido profetizado.
Valnice Milhomens: “País não sofrerá grandes abalos”
Há exatos dois anos, no início do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, as perspectivas econômicas do país eram bem diferentes das de agora. Saboreando um período de prosperidade que já durava quase cinco anos, alavancado pelo crescimento global, o governo esfregava as mãos diante das possibilidades do futuro. A cena contada a seguir passou-se numa tarde, no interior do gabinete presidencial no Palácio do Planalto, em Brasília, após uma reunião de Lula com líderes evangélicos das mais variadas denominações. Proposta pelo próprio presidente, a conversa tinha por objetivo ouvir as reivindicações e ideias dos representantes da Igreja Protestante no país para a realização de um trabalho conjunto com o governo federal. A intenção era elaborar um plano de ações que beneficiassem a nação, sobretudo na esfera social, uma antiga bandeira evangélica.
Após o encontro, a então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva – crente ligada às Assembléias de Deus –, recebeu um pedido de Lula: o chefe do Estado brasileiro gostaria que alguns dos religiosos presentes orassem por ele. Foram recebidos então na sala presidencial, além da própria Marina, o pastor batista Ariovaldo Ramos, na época membro do Conselho de Segurança Alimentar da Presidência da República (Consea) e diretor da Visão Mundial; Valnice Milhomens, apóstola da Igreja Nacional do Senhor Jesus Cristo, com sede em São Paulo; e a cantora Baby do Brasil, pastora do Ministério do Espírito Santo de Deus em Nome de Jesus.
Após uma breve oração e a bênção apostólica, impetrada por Ariovaldo, Valnice se aproximou de Lula e lhe disse em particular: “Tenho jejuado pedindo a Deus que o abençoasse já há alguns anos. E o Senhor me disse que irá abençoar o Brasil através do seu mandato como nunca antes na história dessa nação”. A cena foi testemunhada pelos outros três evangélicos presentes, que nada disseram apesar da surpresa: “Ela disse como se estivesse conversando baixo com ele. Não fez alarde nem usou nenhuma entonação grandiloquente”, lembra o pastor Ariovaldo. “Nós, que temos o conhecimento do que é uma profecia, ficamos muito surpresos”, comenta. Na ocasião, Baby também entregou ao presidente a sua própria mensagem. “Deus também havia falado comigo semanas antes. Eu já conhecia o Lula há bastante tempo, e até enviei-lhe um telegrama sobre isso. Disse a ele na mesma reunião com a Valnice que o país viveria um período de prosperidade sem par porque o Senhor era com o presidente.” A artista até sugeriu a Lula que retirasse todas as imagens religiosas do Planalto.
Coincidência ou não, o governo Lula experimentou a partir dali uma série de sucessos, melhorando a performance que já havia sido boa no primeiro mandato (2003-2006). Aproveitando-se de uma conjuntura internacional amplamente favorável, a economia brasileira, de 2007 até o terceiro trimestre do ano passado, tornou-se bem mais consistente. O PIB chegou a crescer 5%, o nível de renda e consumo da população aumentou na casa dos dois dígitos e os postos de trabalho formal avançaram 5,8% em um ano. Segundo dados do Banco Central, as exportações saltaram do equivalente a US$ 73 bilhões, em 2003, para US$ 160 bilhões, no ano passado. Em 2007, o Brasil teve um superávit recorde de mais de US$ 46 bilhões; no ano seguinte, também fechou no azul, com cerca de 25 bilhões de dólares. Além disso, setores fundamentais para o crescimento do país, como o energético, se fortaleceram – a produção de etanol se consolidou e a Petrobras bateu recordes sobre recordes na produção de petróleo, além da descoberta de mega-jazidas na costa brasileira. Seria o tal espetáculo do crescimento, tão alardeado por Lula? Campeão de popularidade, o presidente chegou ao fim de 2008 a quase 80% de avaliação positiva – patamar jamais alcançado por um presidente desde a redemocratização do país, exceto por José Sarney durante o Plano Cruzado, em 1986, que logo se revelaria uma fraude eleitoral.
“Furacão” – Mas o que difere uma profecia legítima da chamada “profetada”, aquela previsão espiritual feita mais na base do exagero do que da verdadeira orientação de Deus? “O cumprimento do que foi predito”, define o pastor Ariovaldo Ramos. É exatamente neste ponto que reside o perigo das previsões. Fundador do Ministério Jesus Não Desistiu de Você, com sede em Belo Horizonte (BH), o pastor Sinfrônio Jardim Neto, de 50 anos, diz que boa parte dos crentes que seu ministério tenta trazer de volta à Igreja, em 15 anos de existência, é de gente frustrada com Deus por não ter recebido a bênção prometida: “Quase sempre as revelações são relacionadas à cura ou à prosperidade. Quando as profecias não vêm de Deus e nada acontece, o indivíduo que, em geral, não tem maturidade na fé culpa Deus pelo ocorrido e se afasta da igreja” diz o pastor, que narra parte dessas experiências em seus livros Voltei agora e Onde está o seu irmão?, ambos publicadas pela Editora Betânia. Sinfrônio diz ainda que já viu gente doar casa e carro esperando Deus “retribuir” a oferta calcada em profecias sem fundamento.
Neste sentido, talvez seja precipitado considerar que aquele encontro no Palácio do Planalto tenha de fato sido decisivo na situação do país – ainda mais porque, há cinco meses, o país se vê às voltas com a mais assustadora crise mundial das últimas décadas. Ainda não se sabe quais serão seus efeitos sobre o país no médio e longo prazos, mas por enquanto o solavanco global tem afetado setores específicos da economia nacional, como a oferta de crédito. Existe a expectativa de que, tanto aqui como lá fora, 2009 seja um ano duro, constrastando com o longo período de bonança que durou até setembro passado: “A profecia da apóstola Valnice se referia exclusivamente ao Brasil. Por enquanto, na minha maneira de ver, estamos muito bem. Há até uma previsão de crescimento de 4% para 2009, ao contrário da perspectiva do resto do mundo. Há alguns anos, uma crise global teria jogado o Brasil no buraco” analisa Ariovaldo Ramos.
Procurada novamente pela reportagem, Valnice Milhomens informou por meio de sua assessoria que não comentaria a profecia com a revista, mas tem dito em pregações que acredita que o furacão mundial vai passar sem pôr abaixo as esperanças brasileiras. “Ela não nega o que disse ao presidente, mas não quer falar, pois alega que suas palavras são frequentemente deturpadas pela mídia”, afirmou a pastora Ana Charlene Ribeiro, da Igreja Nacional do Senhor Jesus Cristo. Já a sempre animada Baby do Brasil é enfática: “Pode crer que esta crise não vai nos prejudicar. Pode até derrubar a nação mais poderosa do mundo, mas não a gente.” É esperar para ver.
Fonte: Cristianismo Hoje
Por Amenidades da Cristandade
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[domingo, março 15, 2009
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